Fascina-me o que as lesões do tempo nas suas portas têm a suspirar. Tantas Histórias nas suas portas se eternizaram, e quantas hão de passar. Momentos de outros esquecidos que, assim como eu, dançaram com os momentos uma dança de compasso lento. Tantas estações viu migrar, sofreste com as intempéries do tempo: vento, chuva, sol... Tanta flor viu murchar; o sol nascer em um lindo alvorecer de paz, banhado no mais cristalino orvalho. Quantas vezes viu o florescer das primeiras flores da primavera.
Hoje os que passam por ti não escutam seus lamentos de velha moribunda.
Na Casa Defronte
Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!
Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não sou eu.
As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.
As vozes, que sobem do interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.
Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo se ajusta —
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.
Que grande felicidade não ser eu!
Mas os outros não sentirão assim também?
Quais outros? Não há outros.
O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.
Os outros nunca sentem.
Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.
Nada! Não sei...
Um nada que dói...
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa